C.H.
Spurgeon (1834-1892) era pregador, autor e editor britânico. Foi pastor
do Tabernáculo Batista Metropolitano, em Londres, desde 1861 até a data
de sua morte. Fundou um seminário, um orfanato e editou uma revista
mensal chamada “Sword na Trowel”. Conhecido como “Príncipe dos
Pregadores”, Spurgeon escreveu muitos livros e artigos, particularmente
na área devocional. Deixou um legado de vida piedosa, marcada por um
profundo amor ao Senhor Jesus Cristo e por dedicados esforços ara
alcançar almas perdidas.
“Para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20.24).
Paulo disse que, em comparação com o seu grande propósito de pregar o
evangelho, não considerava sua preciosa para si mesmo; mas temos
certeza de que Paulo valorizava a sua própria vida. Como todo homem,
ele tinha amor pela vida e sabia que sua própria vida era importante
para a igreja e a causa de Cristo. Certa vez Paulo disse: “Por vossa
causa, é mais necessário permanecer na carne” (Fp 1.24). Ele não estava
cansado da vida, nem era uma pessoa tola que tratava a vida como fosse
algo que podia lançar fora nos esportes. Paulo valorizava a vida, visto
que valorizava o tempo, que constitui a vida, e usava de modo prático
cada dia e hora, “remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef 5.16).
Apesar disso, Paulo falou aos presbíteros da igreja de Éfeso que não
considerava a sua vida preciosa, em comparação com o dar testemunho do
evangelho da graça de Deus.
De acordo com o versículo que ora consideramos, o apóstolo
considerava a vida como uma carreira que tinha de realizar. Ora, quanto
mais rapidamente corrermos, tanto melhor será a carreira. Com certeza,
a extensão não é o alvo desejado. O único pensamento de um corredor é
como ele pode alcançar mais rapidamente a marca de chegada. Ele
menospreza o solo; não se preocupa com o percurso, exceto com o fato de
que aquele é o caminho pelo qual ele tem de correr para atingir seu
objetivo. A vida de Paulo era assim. Todo o vigor de seu espírito estava
concentrado na busca de um único objetivo, ou seja, dar testemunho do
evangelho da graça de Deus. E a vida que Paulo tinha aqui embaixo era
valorizada por ele somente como meio para atingir seu objetivo.
Paulo também considerava o evangelho e seu ministério de
testemunhá-lo como um depósito sagrado que lhe fora confiado pelo
próprio Senhor. Paulo via a si mesmo como aquele a quem o evangelho
fora confiado (cf. 1 Ts 2.4) e resolvera ser fiel, embora isso lhe
custasse a vida. Diante dos olhos de sua mente, Paulo via o Senhor
tomando em suas mãos traspassadas o cofre precioso que continha a jóia
celestial da graça de Deus e dizendo-lhe: “Eu o redimi com meu sangue,
eu o chamei por meu nome; agora confio esta coisa preciosa às suas
mãos, para que você cuide dela e guarde-a até com o seu próprio sangue.
Eu o comissiono a ir por todos os lugares, com meu substituto, para
fazer conhecido a cada pessoa, debaixo do céu, o evangelho da graça de
Deus”.
Todos os crentes ocupam um lugar semelhante ao de Paulo.
Nenhum de nós é chamado ao apostolado, nem todos somos chamados à
pregação pública da Palavra de Deus. No entanto, somos todos
encarregados de sermos ousados em favor da verdade, na terra, e de
batalharmos diligentemente pela fé que uma vez foi entregue aos santos.
Oh! que façamos isso no mesmo espírito do apóstolo dos gentios! Como
crentes, somos chamados a algum tipo de ministério. Isso deve fazer de
nossa vida uma carreira e uma causa que nos levem a considerar-nos
guardiões do evangelho, assim como um soldado que porta as insígnias de
um regimento se considera obrigado a sacrificar tudo em favor de sua
preservação.
O que era esse evangelho pelo qual Paulo estava disposto a morrer? Não era qualquer coisa chamada “evangelho” que produzia esse entusiasmo. Em nossos dias, temos evangelhos pelos quais eu não
morreria, nem recomendaria a qualquer de vocês que
vivessem por
eles, pois são evangelhos que se extinguirão em poucos anos. Nunca é
digno que morramos por uma doutrina que morrerá por si mesma. Já vivi
tempo suficiente para ver o surgimento, o florescimento e a decadência
de vários evangelhos. Há muito disseram-me que minha velha doutrina
calvinista estava ultrapassada, era uma coisa desacreditada. Em seguida,
ouvi que o ensino evangélico, em qualquer forma, era uma coisa do
passado que seria suplantada por “pensamentos avançados”.
No entanto, costumava haver no mundo um evangelho que consistia de
fatos nunca duvidados pelos verdadeiros cristãos. Na igreja havia um
evangelho que os crentes abrigaram no coração como se fosse a vida de
sua alma. No mundo, costumava haver um evangelho que provocava
entusiasmo e recomendava o sacrifício. Milhares e milhares se reuniam
para ouvir esse evangelho ao risco de sua própria vida. Homens o
pregaram, mesmo em face da oposição dos tiranos; sofreram a perda de
todas as coisas, foram presos e mortos por causa desse evangelho,
cantando salmos em todo o tempo. Não há remanescente desse evangelho?
Ou chegamos à terra da ilusão, na qual as almas passam fome,
alimentando-se de suposições, e se tornam incapazes de ter confiança ou
zelo? Os discípulos de Jesus estão agora se alimentando da espuma do
“pensamento” e do vento da imaginação, nos quais os homens se enlevam e
ficam exaltados? Ou retornaremos ao alimento substancial da revelação
infalível e clamaremos ao Espírito Santo que nos alimente com sua
própria Palavra inspirada?
O que era esse evangelho que Paulo valorizava mais do que sua própria vida?
Paulo o chamou de “evangelho da graça de Deus”. O aspecto do evangelho
que mais impressionou o apóstolo foi o de que era uma mensagem da
graça, e tão-somente da graça. Em meio à música das boas-novas, uma
nota se sobressaía às outras e encantava os ouvidos do apóstolo. Essa
nota era
a graça — a graça de Deus. Essa nota ele considerava
característica de toda a melodia; o evangelho era o “evangelho da graça
de Deus”. Em nossos dias, a palavra
graça não é muito ouvida;
ouvimos a respeito dos deveres morais, ajustes científicos e progresso
humano. Quem nos fala sobre a graça de Deus, exceto umas poucas pessoas
antiquadas que logo passarão? Sou uma dessas pessoas antiquadas, por
isso tentarei ecoar essa palavra
graça, para que todos os que conhecem o seu som se regozijem, e ela penetre o coração daqueles que a desprezam.
A graça é a essência do evangelho. A graça é a única
esperança para este mundo caído! É o único consolo para os santos que
esperam pela glória. No que concerne à graça, talvez Paulo tinha uma
percepção mais clara do que Pedro, Tiago ou João; por isso, ele
escreveu mais no Novo Testamento. Os outros escritores apostólicos
excederam a Paulo em outros aspectos, mas ele, devido à clareza e à
profundidade na doutrina da graça, permanece como o primeiro e o mais
importante. Precisamos novamente de Paulo ou, pelo menos, do evangelismo
e da clareza paulinos. Ele desprezaria esses novos evangelhos e diria
aos que o seguem: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele
que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é
outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o
evangelho de Cristo” (Gl 1.6-7).
Permita-me explicar de modo breve como o evangelho é as boas-novas da graça.
O evangelho é um anúncio de que Deus está disposto a perdoar a culpa
do homem com base no favor gratuito e na pura misericórdia. Não haveria
boas novas em dizer que Deus é justo, pois, em primeiro lugar, isso
não é novidade. Todos sabemos que Deus é justo; a consciência natural
ensina isso. O fato de que Deus pune o pecado e recompensa a justiça
não é uma novidade. E, se fosse, ainda não seria uma boa notícia; pois
todos pecamos, e, com base na justiça, todos devemos perecer. Mas o fato
de que o Juiz de todos está pronto a perdoar as transgressões e
justificar o ímpio, isso é boa nova, da melhor qualidade. O fato de que
o Salvador perdoará o pecado, vestirá o pecador com sua justiça e o
receberá em seu favor, não por conta do que ele fez ou fará, e sim por
causa da graça soberana — isso é boa nova. Embora sejamos todos
culpados, e todos condenados por nossos pecados, Deus está disposto a
nos remover da maldição de sua lei e nos dar toda a bem-aventurança de
um homem justo, num ato de pura misericórdia. Esta é uma mensagem digna
de que morramos por ela — a mensagem de que, mediante a graça, Deus
pode ser justo e, ao mesmo tempo, justificador daquele que crê em
Jesus; a mensagem de que ele pode ser justo Juiz dos homens e de que os
crentes podem ser justificados gratuitamente pela graça de Deus,
mediante a redenção que há em Cristo Jesus! O fato de que Deus é
misericordioso e gracioso e está pronto a abençoar o mais indigno é uma
notícia maravilhosa! É uma notícia digna de um homem gastar centenas
de vidas comunicando-a!
O meu coração pula dentro de mim, quando repito isso, neste salão, e
digo ao arrependido, ao desanimado e ao desesperado que, embora seus
pecados mereçam o inferno, a graça lhes pode dar o céu e prepará-los
para aquele lugar bendito; e pode fazer isso como um ato soberano de
amor, completamente independente do caráter e merecimentos deles. Há
esperança para o mais desesperado, porque o Senhor diz: “Terei
misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de
quem me aprouver ter compaixão” (Rm 9.15). Visto que o Senhor diz:
“Não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
misericórdia” (Rm 9.16), há uma porta de esperança aberta para aqueles
que, de outro modo, entrariam em desespero. Sim, posso entender Paulo
sentindo uma santa agitação a respeito de uma revelação como essa da
graça gratuita! Posso entendê-lo sentindo-se disposto a entregar a
própria vida, a fim de anunciar aos pecadores que a graça reina por
meio da justiça para a vida eterna.
Mas o evangelho nos diz muito mais do que isso. O evangelho nos
diz que Deus, o Pai, a fim de relacionar-se com os homens, com base no
favor gratuito, Ele mesmo removeu o grande obstáculo que estava no
caminho da misericórdia. Deus é justo; essa é uma verdade
inquestionável. A consciência humana reconhece isso, e a consciência do
homem não fica tranqüila enquanto não vê a justiça de Deus satisfeita.
Então, para que Deus lidasse de maneira justa e misericordiosa com o
homem, Ele deu seu Filho unigênito, a fim de que, por sua morte, a lei
recebesse o que lhe era devido e fossem mantidos os princípios eternos
do governo de Deus. Jesus foi designado a assumir o lugar do homem,
levar o seu pecado e suportar o castigo da sua culpa. Como Isaías
afirma isso com tanta clareza em seu capítulo 53! Agora o homem é salvo
em segurança, porque o mandamento não é desprezado, nem a penalidade,
revogada. Jesus fez e suportou tudo que a justiça mais severa poderia
ter exigido. E a graça tem as mãos desimpedidas para distribuir perdões
conforme lhe apraz. O devedor é liberado, pois a sua dívida foi paga.
Ele vê o Salvador morrendo e ouve o profeta, que diz: “O castigo que
nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”
(Is 53.5).
Irmãos, planejar e aceitar a expiação foi graça da parte de Deus,
especialmente porque Ele mesmo proveu a expiação às custas de Si
mesmo. Isso é maravilhoso! Aquele que foi ofendido, Ele mesmo
proveu a reconciliação! Ele tinha apenas um Filho. E, como havia um
obstáculo impedindo-o de relacionar-se com os homens, com base na pura
graça, Ele tomou seu Filho, permitiu-Lhe assumir nosso natureza frágil
e, nessa, natureza permitiu-Lhe morrer, o Justo pelos injustos, para
conduzir-nos a Deus. “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como
propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4.10). Isso é o evangelho da
graça de Deus — Ele é capaz de, sem injustiça, lidar com os homens
servindo-se de pura misericórdia, mas completamente separado dos
pecados ou dos méritos deles, porque tais pecados foram lançados sobre
seu Filho, Jesus Cristo, que ofereceu à justiça divina uma satisfação
completa, para que Deus seja glorioso em santidade e, ao mesmo tempo,
rico em misericórdia. Sim, amado Paulo,
existe algo digno de ser pregado neste mundo!
A fim de cumprir os desígnios da graça era necessário que a
mensagem do evangelho fosse anunciada cheia de promessa, encorajamento e
bênção. De fato, essa mensagem foi entregue a nós, pois o
evangelho que pregamos está repleto de graça. Ele diz assim: Pecador,
tal como você está, converta-se ao Senhor; Ele o receberá e o amará
graciosamente. Deus anuncia: “Para com as suas iniqüidades, usarei de
misericórdia e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Hb 8.12). Por
causa de Cristo, e não por causa de quaisquer agonias, lágrimas e
pesares em você, Deus afastará de você os seus pecados, como o Oriente
dista do Ocidente. Ele disse: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor;
ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão
brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se
tornarão como a lã” (Is 1.18). Você pode vir a Jesus tal como está; Ele
lhe dará remissão completa, desde que você creia nEle. O Senhor diz
hoje: “Não olhe para dentro de si mesmo, como se quisesse achar
qualquer mérito ali. Olhe para mim e seja salvo. Eu o abençoarei à
parte dos méritos, de acordo com a expiação de Cristo Jesus”. Ele diz:
“Não olhe para dentro de si mesmo, como se procurasse alguma força para
a vida futura. Eu serei a sua força e a sua salvação, pois, quando você
estava sem forças, Cristo morreu no devido tempo em favor de ímpios”.
A mensagem do evangelho é uma mensagem de graça porque é direcionada
àqueles cujo único clamor é a sua necessidade. Os sãos não precisam de
médico, e sim os doentes. Cristo não veio para chamar justos, e sim
pecadores, ao arrependimento. Portanto, venham aqueles que são
moralmente enfermos; venham aqueles cuja fronte está embranquecida pela
lepra do pecado. Venham e sejam bem-vindos, pois este evangelho
proclamado por autoridade divina é para vocês. Com certeza, uma
mensagem como essa é digna de todo esforço em favor de sua propagação;
ela é tão bendita, tão divina, que podemos derramar, com alegria, nosso
próprio sangue a fim de proclamá-la.
Além disso, para que este evangelho abençoador chegue ao alcance do
homem, a graça de Deus adotou um método adequado à condição do homem.
Alguém pode indagar: “Como posso ser perdoado? Responda-me logo, com
verdade!” Eis a resposta: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo” (At
16.31). Deus não exige de você boas obras, nem bons sentimentos, e sim
que esteja disposto a aceitar o que Ele dá gratuitamente. Deus salva
com base no crer. Isto é fé: creia que Jesus é o Filho de Deus e
confie-se a Ele. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome” (Jo
1.12). Se você crer, será salvo. A salvação “provém da fé, para que
seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a
descendência” (Rm 4.16).
Talvez você digá: “Mas a fé está além de meu alcance”. Então, no
evangelho da graça de Deus somos informados de que a própria fé é um
dom de Deus, que a produz nos homens por meio do seu Espírito Santo.
Sem o Espírito Santo, os homens estão mortos em delitos e pecados. Oh!
que graça preciosa! A fé ordenada é também outorgada! “Mas”, alguém
diria, “se eu crer em Jesus e os meus pecados passados forem perdoados,
tenho medo de voltar ao pecado, pois não tenho forças para me guardar
quanto ao futuro”. Ouça: o evangelho da graça de Deus é este: Ele o
guardará até ao fim; Deus manterá vivo o fogo que acendeu em você, pois
Ele mesmo diz: “Dou a vida eterna às minhas ovelhas”. E diz também: “A
água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna”
(Jo 4.14).
As ovelhas de Cristo nunca perecerão, e ninguém jamais as arrebatará
das mãos dEle. Você ouviu isso, pecador culpado, que não tem qualquer
direito à graça de Deus? A graça gratuita de Deus lhe será dada; sim,
ela será dada
até a você. Se você for tornado disposto a
recebê-la, será salvo neste mesmo dia, e salvo para sempre, sem
qualquer dúvida. Digo-o novamente: este evangelho é tão digno de ser
pregado, que posso entender as palavras de Paulo: “Em nada considero a
vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o
ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da
graça de Deus”.
Você se sente inclinado a aceitar o caminho e o método da graça? Permita-me testá-lo.
Algumas pessoas acham que amam algo, mas, de fato, não o amam, pois
cometeram um erro concernente ao que imaginam amar. Você entende que
não tem qualquer direito em relação a Deus? Ele diz: “Terei
misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de
quem me aprouver ter compaixão” (Rm 9.15). Quando nos referimos à pura
misericórdia, ninguém pode realmente apresentar um direito para com
ela. De fato, não existe tal direito. Se a misericórdia vem por graça,
ela não é uma dívida; e, se é uma dívida, não vem por graça. Se Deus
quer salvar uma pessoa e deixar outra perecer em seu próprio pecado
obstinado, essa outra pessoa não pode argumentar com Deus. E, se o
fizer, a resposta será: “Não posso fazer o que quero com aquilo que é
meu?” Oh! você parece como se estivesse afastado da misericórdia!
Preste atenção: o seu orgulho se revolta contra a soberania da graça.
Deixe-me convidá-lo a retornar outra vez. Embora você não tenha
qualquer direito, há outra verdade, que lhe é favorável.
Por outro lado, nada impede que você obtenha misericórdia. Se você
não precisa de qualquer bondade para recomendar-lhe a Deus, visto que
tudo que Ele dá é puro favor, nenhuma maldade é capaz de privá-lo desse
favor. Embora você seja culpado, Deus pode mostrar-lhe favor. Em
outros casos, Ele já chamou os piores pecadores. Por que não o faria
com você também? De qualquer modo, nenhuma agravação de seu pecado,
nenhuma permanência no pecado, nenhum aprofundamento no pecado pode ser
a razão por que Deus não lhe daria sua graça; pois, se a pura graça, e
nada mais do que esta, tem de exercer seu reino, o mais perverso
transgressor pode ser salvo. Neste caso, há ocasião para a graça
manifestar a sua grandeza. Tenho ouvido homens apresentarem desculpas
com base na doutrina da eleição. Eles têm dito: “O que acontecerá se eu
não for um eleito?” Parece-me mais sábio dizer: “O que acontecerá se
eu
for um eleito?” Sim, eu sou um eleito, se creio em Jesus,
pois nunca houve um caso de uma alma descansar na expiação de Cristo,
sem que fosse eleita de Deus desde antes da fundação do mundo.
Este é o evangelho da graça de Deus, e sei que ele toca o
coração de muitos de vocês. Ele sempre estimula a minha alma, como o
som de uma marcha militar, a pensar na graça de meu Senhor manifestada
desde a eternidade, uma graça que é constante à sua escolha e lhe
continuará sendo constante, mesmo quando todas as coisas visíveis
desaparecerem como faíscas que se dissipam pela chaminé. Dentro de mim,
o coração se regozija por ter de pregar essa graça gratuita e esse amor
da morte de Cristo. Existe algo neste evangelho da graça gratuita que o
torna digno ser pregado, digno de ser ouvido e digno de morrermos por
ele.
Meu amigo, se o evangelho não lhe tem feito nada, abra seus lábios e
fale contra ele. Mas, se o evangelho lhe tem feito o que faz por muitos
de nós; se tem mudado sua vida, se o tirou da masmorra e o fez
assentar-se num trono; se o evangelho é a sua comida e a sua bebida,
bem como o próprio centro e o vigor de sua vida, testemunhe-o
constantemente. Se o evangelho se tornou para você aquilo que ele é
para mim, a luz de meu coração interior, o âmago de meu ser, proclame-o
onde quer você vá e torne-o conhecido, ainda que as pessoas o rejeitem.
O evangelho é para você o poder de Deus para a salvação e será isso
mesmo para
todos os que crerem.
Meu tempo acabou, mas tenho de detê-los mais um pouco, enquanto
recordo-lhe as razões por que nós, irmãos, devemos fazer conhecido o
evangelho da graça de Deus.
Primeiramente, ele é, afinal de contas, o único evangelho que existe no mundo.
Esses evangelhos efêmeros do presente, que vão e vêm como um jornal
barato — proeminente por um dia, mas depois lançado fora —, não têm
direito ao zelo de qualquer homem. Contudo, ouvir o evangelho da graça
de Deus é digno de uma caminhada de muitos quilômetros. E, se o
evangelho fosse explicado com clareza em todas as igrejas, garanto-lhes
que veríamos poucos bancos vazios: as pessoas viriam para ouvi-lo,
pois sempre têm feito isso.
É um evangelho sem a graça de Deus que faz o rebanho passar fome, até
que as ovelhas esqueçam as pastagens... Os homens querem algo que
estimule seu coração em meio aos seus labores e lhes dê esperança
quando estão sob o senso de pecado. Assim como o sedento necessita de
água, assim também o homem necessita do evangelho da graça de Deus. E
não existem dois evangelhos no mundo, assim como não existem dois sóis
neste céu. Há somente uma atmosfera a respirarmos e apenas um evangelho
pelo qual podemos viver.
Em segundo, viva pelo evangelho porque ele glorifica a Deus.
Você percebe como o evangelho glorifica a Deus? Ele humilha o pecador,
tornando-o nada, e mostra que Deus é tudo em todos. O evangelho coloca
a Deus no trono e lança o homem no pó. Depois, ele conduz amavelmente o
homem a adorar e reverenciar o Deus de toda graça, que perdoa a
transgressão, a iniqüidade e o pecado. Então, propague o evangelho.
Propague-o porque assim você glorificará a Cristo. Oh! se
Ele viesse a este púlpito nesta manhã, quão alegremente O receberíamos!
Quão piedosamente O adoraríamos! Se pudéssemos apenas ver a sua face,
sua face majestosa e querida, não nos prostraríamos em adoração? Se Ele
falasse e dissesse: “Meus amados, eu lhes confiei o meu evangelho.
Mantenham-no firme como o receberam! Não atentem às idéias e
imaginações de homens, mantenham firme a verdade como a receberam. E
anunciem ao mundo a minha Palavra, pois tenho outras ovelhas que ainda
não fazem parte de meu rebanho e que devem ser trazidas. E vocês têm
irmãos que são filhos pródigos, eles precisam retornar ao lar”. Eu lhes
digo: se o Senhor os contemplasse individualmente e lhes falasse isso,
cada um de vocês responderia: “Senhor, viverei para Ti! Eu farei que
Te conheçam. Se for preciso, morrerei por Ti, a fim de tornar público o
evangelho de Jesus Cristo!”
Extraído de um sermão pregado na manhã de 12 de agosto de 1883, em Exeter Hall.
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